Associações de vítimas de trabalho escravo avançam com projeto Vida Pós Resgate

Associações de trabalhadores formadas por resgatados de situações de trabalho análogo ao de escravos na Bahia começaram a receber este mês materiais e equipamentos para iniciar a produção de ovinos para corte.

As entidades de trabalho rural foram fundadas por eles e seus familiares em suas cidades de origem: Conceição do Coité, São Domingos e Monte Santo, todas localizadas na região sisaleira da Bahia. Eles são beneficiários do projeto Vida Pós Resgate, que é executado numa parceria entre o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro) e a Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Há cerca de um ano, quase 200 trabalhadores baianos foram resgatados de condições análogas à escravidão laborando para famosas vinícolas de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. O caso teve repercussão nacional, chocando pela discriminação e violência envolvidas. Com apoio do projeto, eles fundaram as associações, que nasceram com o objetivo econômico de garantir o sustento material para que essas famílias tenham uma vida digna e nenhum de seus membros precise sair de sua cidade e se submeter a formas extremas de exploração.

Nas últimas semanas, após meses de reuniões, oficinas, discussões e trâmites burocráticos para a formação e formalização das entidades, os associados receberam materiais e equipamentos e iniciaram os trabalhos para a construção dos apriscos, como são chamados os locais onde residem os animais. Encaminhados os apriscos, serão adquiridos insumos para alimentação e cuidados veterinários e, por fim, os borregos para o início da criação propriamente dita. A previsão é que isso ocorra nos próximos meses.

A formação das associações foi proposta e apoiada pelo Vida Pós Resgate. Além das três associações no território do sisal, o projeto apoia a associação Vidacacau, localizada em Una, sul do estado, e a Associação Agroecológica de Aracatu Bahia (Aagroab), em Aracatu, sudoeste da Bahia. O objetivo do projeto Vida Pós Resgate é fomentar, entre as vítimas de trabalho análogo à escravidão, a formação de associações para a produção de alimentos saudáveis, preferencialmente nos locais de origem dos trabalhadores, de modo a garantir renda suficiente para torná-los livres da necessidade de se submeter às intempéries do mercado de trabalho.

O apoio às associações se baseia em dois pré-requisitos: que todos aqueles que trabalhem sejam iguais, ou seja, não haja assalariamento – inclusive no caso de expansão das atividades, que pode ocorrer com o ingresso de mais associados; e que a produção busque um viés orgânico ou mesmo agroecológico, preservando a saúde dos associados e da comunidade. Portanto, o projeto estimula uma produção que seja sustentável do ponto de vista social e ambiental, promovendo empreendimentos que não explorem quem trabalha, nem destruam a natureza.

Para viabilizar as associações, têm sido destinados recursos de indenizações judiciais por danos morais coletivos, oriundos de procedimentos administrativos do MPT ou processos da Justiça do Trabalho, para a compra dos meios necessários a cada empreendimento – que podem incluir, dentre outros itens, máquinas, equipamentos, instrumentos, animais, sementes e a própria terra para a produção.

A preparação dos associados para se tornarem protagonistas dos seus empreendimentos é multifacetada, e contempla, por exemplo, formação sobre associativismo, questões jurídicas, contábeis, financeiras e técnico-produtivas. O Vida Pós Resgate busca promover essa preparação por meio de uma rede. Parte das atividades é realizada diretamente pela equipe central do projeto, incluindo visitas periódicas aos locais, e outra parte ocorre por meio de instituições parceiras, como as prefeituras – as cinco cidades possuem termos de cooperação com o MPT –, o Sebrae, a Embrapa e organizações não-governamentais.

A equipe central do projeto é formada por membros do MPT, da Ufba e da Fundacentro, contando com profissionais e pesquisadores das áreas jurídica, veterinária, contábil, agronômica, econômica e desenvolvimento regional. Segundo a procuradora do MPT Lys Sobral, “outras instituições públicas podem integrar o projeto e apoiar suas atividades, inclusive com cessão de servidores”.

O projeto busca uma abordagem integral ao desenvolvimento das associações, que vai das primeiras entrevistas e reuniões após o resgate dos trabalhadores, passando pela parte formativa e a viabilização material dos negócios, até o apoio para uma distribuição da produção, por exemplo, buscando vinculá-la a mercados institucionais para dar maior estabilidade às receitas, como a compra governamental de merenda escolar, prevista nos termos de cooperação assinados com as prefeituras.

Com base na experiência adquirida com as primeiras cinco associações, o Vida Pós Resgate pretende ser ampliado ou, de modo não excludente, servir como inspiração para que municípios, estados ou instituições em qualquer nível da federação desenvolvam e adotem programas semelhantes. A construção de alternativas de renda, a formação, o acesso à terra, prioritariamente nos municípios de origem das vítimas, são previstos no II Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo no País (ações 32 e 33), bem como a aplicação do valor de multas e indenizações por danos morais em projetos de prevenção ao trabalho escravo (ação 46).

A principal meta do Vida Pós Resgate é que seja garantida, a todos os resgatados do trabalho análogo à escravidão que tenham intenção de se engajar no trabalho rural uma oportunidade efetiva de tocar suas vidas, de forma digna e autônoma, sem depender do mercado de trabalho para sobreviver.

No que concerne aos trabalhadores resgatados oriundos de cidades maiores, dada a complexidade da economia urbana, a solução sugerida pelo Vida Pós Resgate – ainda em avaliação, mas já com precedente também na Ufba – é dar a oportunidade para que as pessoas com esse perfil sejam contempladas por cotas sociais em editais de contratação de serviços por instituições públicas.


As associações da região sisaleira


A formação e a formalização das três associações de trabalhadores na região sisaleira ocorreram ao longo de 2023. Em março, integrantes do Vida Pós Resgate estiveram em encontro organizado pelo governo da Bahia com funcionários de prefeituras e trabalhadores resgatados que residem em Monte Santo, Serrinha, São Domingos e Conceição do Coité. As vítimas de trabalho escravo nas vinícolas são oriundas de mais de 20 municípios baianos. Na reunião, estavam presentes os quatro munícipios com a maior quantidade de resgatados – com exceção das grandes cidades (Salvador e Feira de Santana).

No encontro, houve a apresentação do projeto, enfatizando seus pressupostos, objetivos, histórico e lógica de funcionamento. A seguir, foram formados grupos, por cidades, para ouvir mais dos trabalhadores, especialmente sobre seus locais de origem, experiência no trabalho rural e aspirações futuras. Desde então, a criação de caprinos ou ovinos foi a hipótese priorizada pelos próprios trabalhadores para ser a atividade produtiva principal das possíveis associações. Uma série de razões explica esse caminho, desde a experiência prévia de muitos dessas pessoas com a atividade, passando pela tradição da região, condições climáticas, e existência de possíveis parceiros públicos e privados que podem auxiliar nos mais diversos aspectos do empreendimento.

Nos meses seguintes, foram realizadas tratativas para amadurecer as possibilidades de implementação do Vida Pós Resgate nos municípios, tanto com os trabalhadores, quanto com as prefeituras, cuja participação é condição necessária para a viabilidade do projeto. Após muitas reuniões e trâmites, demonstraram interesse trabalhadores e prefeituras de Monte Santo, Conceição do Coité e São Domingos, e nesses locais o projeto está efetivamente em curso. A formação de associações de trabalhadores em outros municípios não está descartada, mas, até o momento, não há trâmite nesse sentido.

Com a formalização dos termos de cooperação entre o MPT e as prefeituras de São Domingos, Coité e Monte Santo, viagens periódicas foram realizadas pela equipe para reuniões, atividades formativas com os trabalhadores e visitas a possíveis terrenos para as associações, instituições parceiras ofereceram oficinas de capacitação aos resgatados, além de terem ocorrido as fundações das associações e toda a burocracia que isso envolve.

Como as três entidades têm associados que possuem terrenos familiares, e a compra de um terreno regular tem se revelado um grande desafio para o projeto, optou-se por iniciar os empreendimentos nos locais já disponíveis, cedidos gratuitamente em regime de comodato às associações. O empreendimento das associações depende de três elementos básicos: 1) a construção do aprisco para a acomodação dos animais, 2) a disponibilidade de alimento e insumos veterinários, e 3) a aquisição dos borregos, como são chamados os filhotes dos ovinos.

Antes do início dos trabalhos, foi elaborado um projeto executivo, que vai da construção do aprisco a um plano de negócios básico, com o apoio de diversas instituições, incluindo a equipe central do Projeto, a Embrapa, a Aresol e a prefeitura de Monte Santo. Nesse processo, houve participação ativa dos trabalhadores, que fizeram várias observações e críticas até chegar à versão atual do projeto. O aprisco poderá comportar até 200 animais em regime de confinamento, adotado pelas dimensões reduzidas dos terrenos disponíveis.

Segundo a veterinária Laís Caymmi, integrante do Vida Pós Resgate: “o aprisco foi desenvolvido com o intuito de possibilitar a criação intensiva de ovinos de corte na região sisaleira da Bahia de forma simples, funcional e sustentável. Além disso, o aprisco favorece a lucratividade da atividade por intensificar o ganho de peso dos animais e controlar os desafios sanitários, tornando a ovinocultura uma atividade rentável e duradoura”

Nas últimas semanas, foram entregues às associações, já nos terenos em que serão instalados, as primeiras levas de materiais para a construção dos apriscos nas três cidades, incluindo cisternas, caixas d’água, blocos, cimento, areia, ferragem, telas, arame e ferramentas.

Sobre a expectativa para a montagem do aprisco e início da criação, o presidente da Associação Coité do Sisal, José Claudio Ferreira, afirma que “está todo mundo animado. Já estamos trabalhando. Chegou uma boa parte do material para a gente começar. Energia total aqui. Confiantes que vai dar tudo certo”.

A criação dos animais inicialmente terá maior dependência de insumos externos, sendo subsidiada nos primeiros ciclos e buscando gradual autossuficiência por meio das receitas das vendas, e ampliação da renda dos associados, com o incremento da produção interna da alimentação dos borregos. À medida em que os empreendimentos derem sinais de consistência, é possível que terrenos maiores sejam adquiridos para viabilizar a ampliação das atividades.


Associação em Aracatu


Antes das associações da região sisaleira, o Projeto Vida Pós Resgate já havia incentivado a formação de outras duas entidades de trabalhadores resgatados. A primeira delas é a Aagroab, localizada em Aracatu, próximo a Vitória da Conquista, no sudoeste baiano, e composta por trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão na colheita de café no interior de São Paulo.

As primeiras conversas do Vida Pós Resgate com os trabalhadores ocorreram no segundo semestre de 2021, em Aracatu, logo após o resgate. A formação da associação, as possíveis culturas e criações que poderiam ser empreendidas e o modo de organização do trabalho foram alguns dos tópicos discutidos até a formação da entidade. A associação foi formalizada no primeiro semestre de 2022, e muitas discussões e análises técnicas sobre viabilidade econômica foram realizadas por associados, integrantes do projeto e instituições parceiras, levando particularmente em consideração a limitação de água na região. Por fim, concluiu-se que deveria ser adquirido um terreno para a produção inspirada no sistema Embrapa, integrando hortaliças, peixes e aves.

Neste caso, revelou-se um dos grandes desafios do Vida Pós Resgate: comprar um terreno com situação jurídica regular para as associações. Na busca por propriedades, poucos terrenos tinham escrituras. Quando havia escritura, muitos tinham dívidas ou pendências documentais. Mesmo quando totalmente regularizadas, as propriedades comumente estavam submetidas a indefinição ou disputa entre herdeiros. Em Aracatu, após muitas tentativas, foi identificado um terreno que atendia aos anseios da Aagroab, possuía valor compatível com o mercado e cumpria os pré-requisitos jurídicos. Contudo, no final de 2022, quando os trâmites do cartório estavam sendo encaminhados para a compra, descobriu-se que a escritura oficial da propriedade indicava metade do tamanho acordado para a venda, e o negócio não se realizou.

Além de atrasar o início das atividades produtivas, o insucesso da compra do terreno causou grande decepção entre os associados. Segundo a diretora da Aagroab, Camila Dias, “foi frustrante. A expectativa era alta na compra do terreno, porém, infelizmente, na nossa cidade as pessoas não sabem a importância de se ter os documentos necessários para sua terra. É triste de ver isso de não se ter esse conhecimento”.

A compra de um terreno para a associação não está descartada, contudo, até o momento não foi identificada nenhuma propriedade apta no município. Tendo isso em conta, e considerando a premência dos associados por fontes de segurança alimentar e renda, em meados do ano passado decidiu-se pelo início das atividades em terrenos das próprias famílias, começando com a produção de hortaliças. A partir de um plano básico acertado entre o Vida Pós Resgate e a Aagroab, foi requisitada a compra dos insumos necessários ao início das atividades. Neste momento, outro desafio ao projeto se apresentou: o tempo de aquisição dos materiais pela Fundação de Apoio à Pesquisa e à Extensão (Fapex), vinculada à Ufba, que é responsável pela gestão financeira dos recursos do projeto. Foram meses até que os trâmites burocráticos se afinassem e os primeiros itens fossem entregues em Aracatu.

Finalmente, um conjunto de insumos suficiente para o início da produção está à disposição da Aagroab, o que inclui caixas d’água, material de construção para a instalação de bases para acomodá-las, elementos para a irrigação, equipamentos, ferramentas, fertilizantes e uma variedade de sementes de hortaliças e verduras – quiabo, milho híbrido. abóbora-jerimum, alface, coentro, tomate, couve, cenoura, beterraba, pimentão, pimenta-malagueta e pimenta-de-cheiro.

As atividades produtivas serão desenvolvidas o em três terrenos de associados cedidos para o uso pela entidade. Os associados decidiram se dividir em equipes de trabalho segundo afinidade e localização. O transporte dos materiais está em curso, assim como a preparação dos terrenos para as obras e o trabalho na terra. Entre os itens já transportados para o início das atividades, estão nove caixas d’água de dez mil litros, bomba centrífuga, fita de gotejamento, mangueira para irrigação, roçadeira, calcário, luvas, perneiras e óculos de segurança, protetores auriculares, aventais de proteção, enxadas, machados, sombrites, carrinhos de mão, facões, tesouras, cavadeiras, botinas e botas de chuva galocha.

Os trabalhos contarão com a orientação de um técnico agrícola de viés agroecológico vinculado à prefeitura. Desde a sua fundação, a Aagroab já recebeu apoio de instituições parceiras, como viagens das lideranças para formação, intercâmbio e apresentação do projeto, oficinas temáticas e capacitações variadas realizadas pelo Sebrae, pela prefeitura e por integrantes do Vida Pós Resgate. Recentemente, com o auxílio da prefeitura, a associação conseguiu fazer seu registro no Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) como pessoa jurídica, permitindo o acesso às políticas públicas de apoio a esse público, como financiamento e participação em editais públicos. Para um acompanhamento mais sistemático das atividades produtivas, a Fundacentro selecionou uma bolsista de extensão para acompanhar a implementação da produção em uma perspectiva orgânica ou agroecológica, com foco na saúde e segurança dos trabalhadores e da comunidade.

Sobre a trajetória da associação e o início das atividades produtivas, a presidente da Aagroab, Tayane, afirma que “mesmo com toda dificuldade, a gente está se erguendo para que os trabalhos comecem. Não é nada fácil, mas é fundamental para que nós, sobreviventes, tenhamos um trabalho digno. O Vida Pós Resgate muda vidas. Como uma pessoa resgatada, jamais deixarei de seguir um sonho, que vai ajudar milhares de pessoas a mudar as suas vidas. A vida é dura e vai continuar sendo muito dura. Mas estaremos lutando para que o Vida pós Resgate e a Aagroab tenham como frutos muitos trabalhos e vitórias”

Com o engajamento dos associados no emprego dos materiais disponibilizados e tendo a produção das hortaliças sido minimamente organizada, será possível voltar a pensar na adoção do sistema inspirado na Embrapa, seja com a criação de frangos – já foram disponibilizas telas, inclusive –, seja aproveitando a experiência com os ovinos do território do sisal.


Associação Vidacacau em Uma


O caso em que o apoio do Vida Pós Resgate a uma associação de trabalhadores resgatados está mais avançado ocorre em Una. Trata-se da Associação Vidacacau, formada por trabalhadores resgatados em Ilhéus e Santa Cruz Cabrália e seus familiares, após mediação realizada pela procuradora Lys Sobral. Segundo ela, “como houve resgates com poucas pessoas em cidades próximas, sondei resgatados com os quais eu vinha mantendo contato por conta de ações judiciais em curso. Dois grupos se interessaram pelo projeto e ajudei o contato entre eles, explicando detalhadamente o projeto etc., em reuniões físicas e virtuais. A prefeitura de Una, também próxima aos municípios dos trabalhadores, se disponibilizou a firmar um termo de compromisso de apoio ao projeto, e assim as coisas começaram”.

Superados os trâmites burocráticos de formalização da associação, foi realizado seu Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) em setembro de 2022. A partir de então, foi iniciada a busca por um terreno em que os associados pudessem desenvolver seu empreendimento, tendo como foco inicial a produção de cacau. A compra de uma fazenda, em nome da Associação Vidacacau, ocorreu em apenas um ano, tempo extraordinário quando considerado o intervalo médio em experiência de assentamento rural. Foi adquirida a Fazenda Pimenteira, com 23 hectares, duas nascentes e energia elétrica.

As edificações da fazenda demandavam reformas e ampliação para comportar adequadamente associados e suas famílias. Contudo, provavelmente impelidos pela ideia de que deveriam ocupar imediatamente aquele espaço para não o perder, os associados decidiram se mudar imediatamente após a formalização da compra, sem organização prévia, optando por ocupar as edificações existentes – gerando, inclusive, tensão entre as famílias. A prefeitura disponibilizou aluguel social para aqueles que preferissem ficar na cidade. Além disso, o projeto paga uma ajuda de custo temporária, sem qualquer contrapartida obrigatória, para que os associados possam se engajar no desenvolvimento da Vidacacau e assim trabalhar e tocar suas vidas autonomamente.

Para ajudar na melhoria e ampliação das edificações, tendo em vista que os associados se colocaram como aptos na construção civil e interessados no serviço, o projeto forneceu material para a realização das reformas. Foram fornecidos à Vidacacau, dentre outros, tijolos, cimento, areia, brita, barras de ferro, caixas d’água, sacos de argila, telhas de fibrocimento, portas, fechaduras, dobradiças, janelas, vasos sanitários, tanques de fibra, assentos sanitários, lavatórios de plástico e de louça, pias, fios condutores, bocais de lâmpada, tomadas, lâmpadas de led, vasos sanitários, chuveiros, tanques e pias de cozinha.

Após a chegada dos materiais, a maioria dos associados não se engajou na reforma, como havia sido combinado. A pedido deles, o projeto conseguiu que um arquiteto fosse ao local para dar assessoria sobre os possíveis trabalhos. Atualmente, das quatro edificações, apenas duas estão sendo reformadas por alguns dos associados, sendo que uma delas em estágio avançado, incluindo ampliação de cômodos.

Na parte produtiva, a Vidacacau vem recebendo apoio material e técnico do projeto, da prefeitura e do governo do estado. A prefeitura tem ajudado de várias formas, como disponibilizando apoio técnico, e inclusive já enviou trator para a preparação da terra para plantio na fazenda. O serviço atrasou porque os associados, mesmo avisados, não haviam limpado a área previamente. Ao contrário da Aagroab, a Vidacacau ainda não realizou seu cadastro no CAF, a despeito das orientações passadas.

O Vida Pós Resgate já forneceu à Vidcacau bombas para distribuição de água – umas delas a gasolina, para não depender exclusivamente da energia elétrica –, roçadeira, sacos de calcário, sementes variadas para subsistência e comercialização, incluindo caixas de semente de quiabo e semente de coentro, pacotes de semente de abóbora, de alface, de milho híbrido, de couve-manteiga, de tomate e de pimentão. Também foram entregues rolos de tela metálica para galinheiro, kit de segurança para roçadeira, regadores, foices, enxadas, cavadeiras, carrinhos de mão, botinas e botas.

Neste mês de abril de 2024, o Projeto transportou cinco mil mudas de cacau clonado fornecidas pela biofábrica do governo da Bahia para a fazenda Pimenteira.


Mudas de cacau sendo entregues à Associação Vida Cacau em 15/04


Apesar do cenário favorável, problemas como conflitos internos têm dificultado a mobilização e conscientização dos associados sobre seu papel fundamental na associação. Segundo Lys Sobral, “tem sido muito difícil que os associados se assumam como protagonistas, assumam que a associação é deles, e não fiquem esperando e atribuindo aos outros os problemas que são de sua responsabilidade resolver, inclusive os pessoais”.

Por conta de um conflito familiar entre associados, envolvendo acusações mútuas de violência na fazenda, os integrantes do Vida Pós Resgate não estiveram no local entre novembro do ano passado e janeiro deste ano. Com a aparente normalização da convivência entre os associados, nos últimos três meses, integrantes da equipe central do Projeto estiveram quatro vezes na fazenda para assessorar as atividades, com reuniões e oficinas sobre associativismo, resolução de conflitos, cotidiano administrativo da associação, técnicas e procedimentos para produção rural comercial e de subsistência, noções contábeis e financeiras.  

Para Ivan Barreto, agrônomo e doutorando em economia, integrante da equipe central do Vida Pós Resgate, “as famílias da Associação Vidacacau estão contando com apoio técnico e insumos de elevada qualidade, numa região de solo fértil e regimes regulares e abundantes de chuvas. Considerando o período para início das primeiras colheitas dos cacaus recém-plantados, estão aptos a desenvolverem atividades agrícolas de ciclos curtos, com as sementes e insumos já adquiridos, capazes de gerar renda às famílias e ofertar segurança alimentar de subsistência. Dessa forma, esperamos que o ao menos uma parcela dos associados se engaje efetivamente no desenvolvimento das tarefas e do trabalho na terra”.

Segundo Luciano Aragão Santos, procurador do trabalho e coordenador Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, “como toda política pública que envolve fomento produtivo, nem todos os casos serão bem-sucedidos. Fundamental é que as pessoas tenham a oportunidade de conseguir uma vida nova. Os associados são livres e não estão subordinados a ninguém. A única coisa que não podem fazer é desvirtuar a utilização dos bens doados à associação, como a terra, os materiais e equipamentos. Isso quer dizer que não podem vender ou alugar, em qualquer hipótese, esses bens, nem os utilizar para empregar trabalhadores não associados ou para destruir o meio ambiente. Nestas hipóteses, o Ministério Público estadual será acionado para responsabilizar aqueles que deram causa ao desvirtuamento e reaver os bens”.


Próximos passos

 

Apesar de partir de uma ideia simples, a operacionalização de um projeto como o Vida Pós Resgate é extremamente complexa. Segundo o coordenador de Projetos da Fundacentro, Vitor Filgueiras, “existem muitas variáveis, de diferentes ordens, envolvidas na consecução do projeto. As pessoas quase sempre se conhecem, há inclusive grupos familiares, mas não há uma identidade associativa prévia ou trajetória de ação coletiva entre eles. Assim como ocorre com a maioria da população, essas pessoas também não estão acostumadas com o trabalho associado e horizontal, tendo sido forjadas pelo assalariamento da pior maneira possível. Isso torna mais complicada a capacidade de ter iniciativa e de engajamento consistente no trabalho livre de modo coletivo.  Ademais, elas vivem a premência do dia a dia, e a demora na execução das ações pode acarretar uma nova migração em busca da sobrevivência”.

Com o início das atividades propriamente produtivas, são muitos os desafios que as associações apoiadas pelo Vida Pós Resgate irão enfrentar. Parece claro, entretanto, que o desafio principal será ajudar a mobilizar os trabalhadores a tomar as rédeas do processo de organização e desenvolvimento das suas atividades.

Ainda segundo Filgueiras, “nem todos os empreendimentos darão certo, pois como toda atividade democrática, nas quais não existem superiores e todos devem decidir juntos, as associações de trabalhadores são organizações complexas. Em uma empresa com trabalho assalariado, como em qualquer ditadura, as decisões são impostas e os questionamentos suprimidos. Uma organização democrática não é simples assim. A democracia política não nasceu rápido, não será diferente no campo econômico”.

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